terça-feira, 24 de janeiro de 2017

arrumar a mala





No dia seguinte, não era mais ela.
Vagava vivendo.
Andava pra pensar como sentir-se mais preenchida de si.
Pensava muito, mas muito mesmo, nele.
Esticava seus braços para abraçá-lo sem que ele percebesse
Beijava suas costas em silêncio, à distância, como em sonho.

Saiu do bairro e foi andar pelo mundo.
Não queria o mundo, queria era deixar de pensar nele.
Mergulhada em si, descobriu – lembrou – coisas lindas.
Aprendeu a usar sua força de corpo,
Conheceu outras mulheres, viu sua história nelas também.
Teve ombro, teve colo, lhe vestiram, lhe banharam, lhe levaram pro cinema.

Das ruas, ficou com medo.
Dele estar nas ruas – e ele, ainda sendo ele, não ser mais o seu amor.
e ele – assustadoramente sendo ele – lhe fazer mal, sendo ainda o seu amor.
O estômago bagunçava sua incipiente ordem, mergulhado em paixão e receio.
Adentrava, escapulia. Se lançava, fugia. Acordava, dormia.

Ela sempre soube sobreviver.
Desde criança que estar entre estranhos e esconder-se era vida.
Ela disfarça trapos em nudez.
E talvez ninguém tenha ficado sabendo que destroço ela explodia todo dia, longe dele.
Ela esconde dor em silêncio. Às vezes até de si. Ela sobrevive.

Chove na sua horta.
Mas ela não sabe ainda colher. Desinteressa por plantar.
Só cresce mesmo o que é espontâneo que cresça, o que por si só escolheu estar aqui.
Abre portas e janelas mas não sabe colher.

Merece outra contação.
Que lhe retire da certeza de como é bom estar só
Que lhe transmute de volta à dúvida, apaixone-se.
Merece outro desaviso, outra imprevisibilidade.

Hoje espalhou-se para arrumar-se.
Encontrou a saudade no meio dos rebentos, tão criada em si.
Deixa as partes abertas, pra tomar ar e água sobre si.
A vida não tem conserto, há de andar-lhe quebrada.

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