sábado, 28 de novembro de 2009

XÍCARAS





Eu sempre soube que havia xícaras grandes para o chá.
Mas nós somos dois, e chá é uma água quente – quase irracional – que regenera o corpo. É meu dever de coração sempre te oferecer um pouco.
Por isso a rotina desconcertante:
- Quer chá?
- Não, obrigado..
E duas pequenas xícaras chegam à mesa, com a indicação do rótulo da garrafa e mais uns adjetivos bobos.
- Camomila é bom.. Erva Cidreira é uma delícia.. Hortelã regenera.. Banchá é digestivo..
Em formatos diferentes, uma será a minha preferida, com a outra eu tento acertar teu gosto.. quem sabe pela embalagem tu te serves do conteúdo?!
Nunca aconteceu. E embora nunca seja muito tempo, e a gente não teve essa eternidade ao nosso dispor enquanto almoçávamos, é a medida que me parece apropriada, pois logo não haverá mais tempo algum, e a nossa existência juntos se fechará naquele círculo.
Pois bem, nunca tomaste o chá que eu te levei. Porque não gostava, porque só tomava chá quando estava doente, porque já estava muito quente o dia. Ou talvez pra completar a brincadeira de me ver tomando de conta das duas xícaras, uma após outra, sorriso e bem estar. É, eu vivo na subjetividade..

A mesma coisa faz a mãe com a sopa.
Soube hoje. E não, eu não quero ser sua mãe..
Só sugeri que talvez um dia você aceite a sopa e possa presenciar ela surpreendentemente muito satisfeita com o conjunto da obra que é o filho seu. Pode ser numa tigela daquelas em que serve o açaí, um pouco de salsinha por cima, sentam-se os dois à mesa e aquecem assim o amor .. coisa de mãe.. coisa de filho.. É, além de subjetiva, sou romântica pra caralho!

Por fim, reparo e comento os detalhes de sempre - como é saborosa a falsa rotina -: a barba por fazer, a calça bege que não é jeans, a bala de algas ou o pé-de-moleque. O joelho que já se dobra, o que fazer no feriado.. Você sugere a minha previsibilidade, eu sugiro que você sorria porque ver você sorrindo é bom demais.

Despedimo-nos – tema recorrente, este, nas últimas semanas.. – rua quente, gente de um lado pro outro. Você pra um lado, eu pro outro. Não deu-me aquele beijo fraternal que eu sempre peço porque acha que eu não mereço. Eu acho que mereço – até mais, eu acho – e insisto. Mas a rua engole o amor em seus tons mais suaves, e os mais fortes, eu não pude mostrar.

Sigo em outra direção. O relógio disparado na minha frente, o suor nas costas respingando o talento do sol. Espero o ônibus. Depois espero o percurso se cumprir até chegar em casa. Espero o Vini ter os dentes avaliados na dentista. Espero o troco do estacionamento pago. Espero o carro tomar um banho merecido. É aqui que me encontro.. ainda não parei de esperar no dia, mas ao menos suavizo as horas com uma cerveja. Óculos escuros. Música no ouvido. Não totalmente alegre, mas com papel e caneta na mão. Cumpro etapas, e assim não me estabeleço na letargia ou na dor.

Daí pra voltar à água quente saborosa e aos recipientes redondos em harmonia foram só alguns minutos de pensamento vadio.
Registro, pois de fatos banais como esses, do dia-a-dia, é que se faz uma oração.
Desde que haja fé, talento, ou amor.


Eu dizia que, quando eu tivesse um blog, ele começaria com esse texto. Eis!

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