terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

na boca, o gosto do peixe da Pepeta




Que grande peça me pregou quando fez de mim funcionária pública, especialidade “não ter interesse por nada que se produza aqui”.

Queria falar da saudade que sinto na boca do peixe cozido da Pepeta, de comê-lo catando as espinhas na mesa grande da cozinha, mas, ao olhar pro teclado do computador, minhas unhas que já podem crescer muito (por desleixo) pois já não sou mais digitadora, lembrei da minha compenetração em frente à máquina portátil da mamãe, 30 anos antes, escrever um texto pra um concurso literário. Eu queria ser escritora. E virei funcionária pública.

A escolha da grana veio com o título de manter a mim e à minha filha, que eu não precisasse de homem pra me prover, ou sustentar a minha filha. 25 anos e hoje depois meu filho questiona esse rumo, solta um 'logo você, optando pela grana..'. Com ele, por sua sabedoria e minha preferência pelo diálogo, geralmente escuto e lanço meu argumento, o que ele tem a me dizer eu não abafo com a minha construída "certeza". Falei pra ele dessa minha urgência em me bancar, da pouca idade que eu tinha pra refletir sobre questões mais existenciais (embora elas sempre andassem comigo, desde criança, é estranho.. ter e não ter, saber e não saber), e da falta de orientação externa para os cuidados com o desejo, a inspiração, a vocação.

Minha vocação literária, a ligação do que eu sentia com as palavras, o silêncio que me dizia tanto, eram entre mim e o mundo real, uma dúvida. 'Não sei' é uma resposta muito minha (e ultimamente, 'nem quero saber' também, rs). O isolamento, ensimesmada na minha existência, falava de uma fuga a esse mundo real, feito de pessoas reais demais, que eu achava que não me enxergavam. Meu conforto e minha pequena dor era ser invisível, ser deixada de lado, alívio era ter outro lugar pra ir, debaixo d'água, meu universo.

Hoje me sinto numa imagem que construí entre o sonho e estar acordada, um mergulho onde o mar sou eu mesma, meu pensa-senti-mento de mundo guardado num baú que eu preciso descerlá e abrir.

Mulher em tradução.

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